quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Geladeira

 Em verdade é em essência somos uma geladeira. Sei que deve ter pensado “mas do que ele está falando? Acaso enlouqueceu?”

Não, esse é o meu rompante de lucidez mais comum. 

Somos geladeiras que está ligada para que a carne que guardamos não apodreça, uma vez acabando o gás, faltando a energia ou que o motor pare, bom, a carne logo apodrece e deve ser jogada fora.

Isso te chocou?

Nessa geladeira também guardamos frutas, doces, comidas que mesmo guardadas se estragam, bastante água, aliás, muita água. Uma vez ou outra temos que limpar, fazer manutenção.

A parte mais fria fica na parte de cima, mas hoje em dia é muito comum ficar na parte de baixo. Paciência…

Umas são mais econômicas, selo A de economia de energia, outras mais gastadeiras… umas silenciosas outras barulhentas.

Existem de vários tamanhos, cores, modelos e até preços.

Tem gente que troca com frequência, outros ficam com a velha, uns com mais de uma outros até sem nenhuma.


Ao final sabemos: nenhuma geladeira é pra sempre. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A família que se mudou para casa da frente.

 Houve um sonho que me tirou o dia e me afastou da realidade. Houve placas e promessas que encontraram meus  medos, tortos, tontos e com vertigem: eles sobraram à mesa.

Se o desejo da dor faz aliviar meus anseios, se tua personalidade ainda é o que mantem meu olhar perdido, fiz dessa imaginação repouso... É o mesmo clima cinza que paira sobre o ar, é o mesmo tom pastel que cobre a neblina... É a mesma rua, a mesma casa e o mesmo quarteirão... é a mesma vez que me perdi.

Prontos, armados e feridos, três vezes nesta capital. No som das nuvens e das lágrimas eu repito a pergunta que nunca tinha me feito: Quando foi a última vez? De tudo... do que eu posso contar nos dedos e do que eu posso só imaginar; quando foi a maldita última vez?

Alguém no fim desse corredor sorri, alguém que tem e se banha em rios negros, alguém que está se torturando e tortura. 

Temos nós chance de viver adultos? 

Quando o acaso e o imprevisto vão ser exatamente do jeito que queremos?

Estes estímulos testemunham que a fé é vontade de esquecer tudo que nos atormenta, é o desejo forte (e tão forte) de ter tudo ao redor e sob controle, mas também é a certeza que não adianta grito, choro ou desespero, por isso essa vontade...

E você morava em uma casa que eu não gostava de entrar... E você se mudou pra muito longe, pra onde não posso te visitar, mora do outro lado da rua, mas em uma casa que jamais posso te encontrar... ficou a lembrança de quem foi, você foi, mas não precisava ir, a casa era boa, não precisava mudar.

E pendurado por ai, ursos de pelúcia, pequenos sapos verdes e todas as lembranças de infância que perdemos, nas árvores e nos arbustos, pequenos saltos e pequenas crianças que um dia já fomos.


segunda-feira, 8 de abril de 2024

Alerta

 Esperando que a gente se percebe.

Percebeu que as voltas do mundo sempre acabam em palavras perdidas.

Perdeu a chance de abrir os olhos e o coração apertado.

Apertou a alma como suspiro de fim, decidiu por você e por mim que não nos resta confiar.

Confiou enquanto pôde e enquanto quis, soube da verdade e dela se esquivou.

Esquivando das palavras certas, montou a razão para afirmar que não há amor.

Amou como se o tempo fosse eterno, mas deixou uma condição.

Condicionou o sentimento ao jeito, gesto e personalidade, ao tempo que passou.

Passando esse tormento, fiz minha parte, deixei escrito a verdade.

Agora posso ir ou ficar em paz, não soube rimar, nem escrever da maneira certa, mas tudo que disse, graça a algum Deus, foi do fundo da alma.


sexta-feira, 22 de março de 2024

Conversa com o vazio

 - Porque a finitude das coisas, assim como sua infinitude, me afligem-

- E é isso, a vida é um sopro. E por que isso te aflige?

- Porque sou finito e infinito e ser me dói.

- amar dói mais

- e o que somos nós, senão amor. 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Vó fez carne frita

 Agora não importa mais, o rosto está no chão e as paredes geladas estão distantes. Também é frio o chão, e por ele pisamos em sementes, que te irritam, mas confessam minha existência, minha passagem.

Fica pouco na lembrança com a vinda dos anos, o tempo tem suas preferências, vai minando as lembranças mais vivas, mais bobas, até a gente duvidar se tudo aconteceu. Ficam as histórias que inventamos em cima das reais, e com o passar dos dias - cada camada de invenção se torna a lembrança real.

Há um quadro na parede, onde está o desenho da família, está não se reúne mais, aliás,  se reúne um de cada vez. Não que sejam desunidos, mas cada um oprimido e ocupado em ser feliz. Eles estão em suas casas, com suas outras famílias, e não existe mais o domingo de diversão, aquele que sem nada ter feito, sob sol escaldante, marasmo, preguiça e tédio, ainda se ornava com lembranças de que foi bom. Cada um criou sua mágoa e alimentou de dentro pra fora. Uns pararam de se falar, outros não se falam mais, alguns (que tínhamos esperança, é verdade) nunca se falaram, e até isso era bom, dava assunto e planos.

Não sei se tem mais medo do escuro, da sombra que acorrenta tua alma, se essas distâncias protegem teus olhos ou se escondem a dor dos que ficaram. Sobre eles, ainda olham tristes para o velho quadro da família, tentam a todo custo reviver, lutam contra o cotidiano e as desculpas de cada um. “Hoje não dá”, “talvez outro dia”, “ se fulano for eu não vou”


E assim se fez a sentença da infelicidade, onde cada um tem culpa, mas a culpa é do tempo, sempre ele ingrato ceifador de dias felizes.