segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Vó fez carne frita

 Agora não importa mais, o rosto está no chão e as paredes geladas estão distantes. Também é frio o chão, e por ele pisamos em sementes, que te irritam, mas confessam minha existência, minha passagem.

Fica pouco na lembrança com a vinda dos anos, o tempo tem suas preferências, vai minando as lembranças mais vivas, mais bobas, até a gente duvidar se tudo aconteceu. Ficam as histórias que inventamos em cima das reais, e com o passar dos dias - cada camada de invenção se torna a lembrança real.

Há um quadro na parede, onde está o desenho da família, está não se reúne mais, aliás,  se reúne um de cada vez. Não que sejam desunidos, mas cada um oprimido e ocupado em ser feliz. Eles estão em suas casas, com suas outras famílias, e não existe mais o domingo de diversão, aquele que sem nada ter feito, sob sol escaldante, marasmo, preguiça e tédio, ainda se ornava com lembranças de que foi bom. Cada um criou sua mágoa e alimentou de dentro pra fora. Uns pararam de se falar, outros não se falam mais, alguns (que tínhamos esperança, é verdade) nunca se falaram, e até isso era bom, dava assunto e planos.

Não sei se tem mais medo do escuro, da sombra que acorrenta tua alma, se essas distâncias protegem teus olhos ou se escondem a dor dos que ficaram. Sobre eles, ainda olham tristes para o velho quadro da família, tentam a todo custo reviver, lutam contra o cotidiano e as desculpas de cada um. “Hoje não dá”, “talvez outro dia”, “ se fulano for eu não vou”


E assim se fez a sentença da infelicidade, onde cada um tem culpa, mas a culpa é do tempo, sempre ele ingrato ceifador de dias felizes.

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