sábado, 24 de dezembro de 2016

A volta da Xanduzinha (ouçam)

Feriu meu corpo, mas mais ainda minha alma.

"Meu caro amigo, te escrevo para dizer que venho pensando demais na vida. Talvez começar essa carta assim é devaneio, pudera ser, mas é que até andar em esquinas me assusta, e como sempre te disse; as distâncias são medidas em vontades, saudades e solidões, nem sempre em quilômetros, e agora, daquilo que te contei, muito mais coisas nos separam, mais que o próprio asfalto.
Queria saber como está por ai, nessas terras distantes, mas hoje, por hoje, me deixe desaguar minhas angústias.
Tenho visto muita gente partir, tenho pensando em você, e em tanta gente. Não pense que estou a reclamar, quem sou eu para reclamar das venturas que me recaem das ribaltas do céu, só que a amargura parece querer fazer morada donde nada falta, das vestes ao sentar na mesa.
Já passou por isso? Engolir seco com o estômago cheio? Não sentir fome com a fatura posta? Deve me compreender, quando tudo está em paz, mas a gente, de tanto temor, nada sabe do que faz.
É bem verdade que quando algo nos falta, não há nada que nos alegre, até aquilo que era de costume nos fazer raiar o dia, nesses dias, absolutamente nada nos arranca sorrisos. O café perde o gosto, a música perde o sentido, nem os lugares e as pessoas estão mais interessantes. Tudo bem, amigo, estou exagerando.
Para além disso, outra coisa me incomoda, a insistência da vida de afastar as pessoas da gente. Juro! Parece pirraça, fazer da saudade instrumento de lembrança. Nessa semana mesmo, lembrei do nosso tempo de criança, despreocupados, parece que quando a gente cresce as coisas vão ficando cada vez mais complicadas, ou será que a gente que tomou consciência que nada nunca foi tão fácil assim?
Na sua carta passada, senti sua escrita pesarosa, mas não me atrevo a perguntar, em silêncio oro para que esteja bem, mas soube de um confidente que tens andando, também, apático, choroso e melancólico, ORA! Quem sou eu para dizer-te melhoras, balbuciar frases prontas e de efeito, pobre diabo que sou, mal consigo dormir.
Me despeço de você, certo que logo receberei a resposta.
De seu amigo..."

No outro dia, ressentido, com o orgulho de achar que só eu sentia dores, li o final de uma carta dele:

"Eu olho para longe, vejo o mudar do mundo na totalidade da íris dos olhos dela.
Eu vejo seu abraço ir embora sem tocar meu corpo, sem se despedir ou olhar para trás.
Vejo o não na resposta que não foi dada, vejo o mal que faz deitar na cama com mais do que deveria no peito ou no corpo. A chamei para esquecer dos ardores da alma, dos apertos do peito e fez foi esquecer de mim. Vestida de branco, com o tempo passado, sei que inclinará os olhos para aquele dia, em que se deitou com frustrações e efemeridades, nunca mais irá se deter o olhar para o horizonte sem lembrar de mim.
Ela foi embora, companheiro, mas foi antes de partir, estava do meu lado com o pensamento, quiçá o próprio corpo, pensando e presente na liberdade (me permite palavras difíceis) da promiscuidade. Confesso que soube e descobri de coisas que as palavras não ajudariam a descrever, se deitou com vários. Desculpe, não era disso que falávamos, mas me deixe concluir: Ainda pensei em esquecer de tudo e tomar-lhe em meus braços, mas o embaraço era tão grande, NÃO! Não meu, mas dela, já se via liberta, distante, vencendo na vida, sentia prazer com corpos estranhos (sei que agora deve me recriminar por vistar de novo tais pensamentos, mas você precisa me compreender, sofri bastante...) mas o pior nem foi isso, o pior foi não mais querer deixar essa tal liberdade."

Admito que não senti remorso ou pena desse relato que nem li todo, mas por amizade, lembro que respondi:

" Larga de mão essa tristeza, larga a mão dela, suas cartas (desabafos) só falam dessa dita cuja, sei que nada tem efeito, mas teu defeito é remoer, deixa que se vá, deixa que se livre esta, livre esteja, livre já está, e tu, vais ficar ranzinza e mal vivido, quando sorrisos já invadem essa que tu diz amar, que deveras já nem te ama. Se tu mesmo me disse que admitiu e queria corrigir teus erros, até dos dela se desprendeu, a mesma não quis, a verdade é que o erro já é jeito que ela vive, se sente bem, e tu? Pobre diabo, agarrado a um passado. Vê se vive"

Pensando em como fui duro, sei que dessa vez mandei uma poesia do Antônio da Lua no final de uma carta que só falava de mesmices do dia-a-da:

"Corpo desfalecido já cansado, alma pendurada no lustre da sala, já incomodada.
Passou-se tantos verões e a dama agora cheia de si, argumenta com seu passado; a vítima vívida do que era tudo que gostaria, como se o cheiro do couro de sua bolsa e os instantes momentos já esquecidos sustentassem o sorriso de satisfação.
Mente atormentada de um belo penteado, unhas bem feitas e inveja de quem era há poucos anos.
Olho em torno, o adorno e as palafitas, admirada- ou ressentida, com queriam- esboçou raiva, lembrou-se que dela era a culpa, tinha tudo no canto escuro da sala, no quarto e o anel do dedo, era feliz-tinha que ser- era feliz-repetia para si mesma- mas más escolhas de longos anos refutavam essa certeza, tudo bem, admitiu, um pouco infeliz talvez, só que não tinha esse direito.
Mesquinho coração, decidiu agora voltar atrás, para onde nada mais tinha, nada mais existia, aquela casa, aquela rua, aquele sorriso, aquela sensação de lugar certo, quem sabe ventania desabou tudo, quem sabe a morte já levou quem lhe queria, e agora, noutra casa, noutra rua, noutro sorriso-todo sem graça- não era o lugar certo, por isso:
Agradeceu, deu até logo, pegou todas as roupas que tinha deixado e consigo levou o amor que dizia sentir"

Não sei nem se ele gostou, mas até hoje espero a resposta da carta.

E você? Espera que resposta do seu coração? que atitude do seu corpo? Vai ser feliz pro resto da vida ou ser feliz pro resto da felicidade?

Nenhum comentário:

Postar um comentário